Conass Informa n. 230/2020 – Nota Técnica CNJ n. 24 sobre adoção de medidas de gestão voltadas à prevenção da Judicialização da Saúde durante a pandemia da Covid-19

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 08 de maio de 2020. a Nota Técnica n. 24, sob protocolo 0003408-28.2020.2.00.0000, relatada pela Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, responsável pelo Fórum da Saúde do CNJ, cuja proposta foi elaborada a partir de ofícios direcionados ao Ministro Presidente do CNJ, Dias Toffolli, por parte dos representantes dos hospitais privados e da medicina diagnóstica e os representantes das operadoras de saúde.

A justificativa revela recomendação de diálogo entre as esferas pública e privada por meio de nota técnica (orientação/sugestão) destinada aos Poderes Executivos federal, estaduais e municipais e à Procuradoria-Geral da República, acerca da ocupação dos leitos de UTI público-privados, centralidade de sua gestão, busca de racionalização do uso dos leitos hospitalares e de UTI existentes, preferencialmente – quando couber – aos hospitais de campanha.

Da referida Nota Técnica, merece destaque:

(i) diversidade de cenários sobre a disponibilidade de leitos privados, a depender do território:

“O cenário levantado indica que em determinados Estados há escassez de leitos de UTI e de equipamentos em Saúde tanto no setor público quanto no setor privado e em outros Estados há escassez no setor público com ociosidade de leitos e equipamentos no setor privado”.

(ii) diálogo entre o setor público e a iniciativa privada para a saúde:

“Assim, há necessidade de negociação com os diversos atores da União, dos Estados, dos Municípios e da estrutura privada de serviços hospitalares, para busca de racionalização do uso dos leitos existentes e para evitar soluções que não deixarão um legado útil para a sociedade, como os hospitais de campanha”.

(iii) reconhecimento do rápido esgotamento de recursos hospitalares no enfrentamento da Covid 19:

“Surtos em que a disseminação do patógeno é extremamente rápida, com uma alta taxa de ataque como se mostra a Covid19, apesar da aparente baixa letalidade, levam a um rápido consumo de recursos hospitalares. A incapacidade de contingenciamento pode levar as estruturas hospitalares a um colapso na assistência aumentando significativamente a mortalidade”. […]

“No caso de epidemias com complicações respiratórias um dos principais recursos críticos é o leito de terapia intensiva (entendendo esse leito como o conjunto de equipamentos como ventiladores mecânicos, monitores multiparamétricos e equipe especializada)”.

“Sendo o leito de terapia intensiva o fator mais crítico nessa pandemia, o hospital que possui esse recurso se torna a principal estrutura de resposta, sendo necessário conhecer a capacidade de contingência destas estruturas. O desenho da reconfiguração necessária para os hospitais passa pela capacidade de expansão de recursos para os pacientes que precisem de ventilação mecânica (cerca de 4 a 5%) nas estatísticas atuais.[…]”

(iv) reconhecimento da quarentena como principal estratégia para evitar a demanda excessiva por leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (achatamento da curva):

“A principal estratégia nesta pandemia tem sido a quarentena populacional no sentido de redução do ataque para que o ponto crítico seja achatado e evite a demanda excessiva de leitos críticos nos hospitais, que naturalmente tem uma limitação. Tal medida tende a reduzir a vulnerabilidade do sistema e amplia o tempo para preparação da contingência”.

(v) estruturas de gerenciamento da pandemia: Centro de Operações de Emergência Estadual (COE) e gabinetes de crise dos hospitais:

“[…] é necessária uma reconfiguração da gestão de cada hospital, com a instalação de um gabinete de crise, decorrente de deliberação do Centro de Operações de Emergência Estadual (COE), já criado e em funcionamento em todas as unidades federadas […] (que) tem por finalidade o gerenciamento de todos os recursos de uma região, principalmente os hospitalares que são cruciais nesta crise”.

“[…] Os Centros de Operações de Emergência Estadual devem ter todos os recursos necessários sob sua gestão para a resposta inicial das demandas, devem acionar e monitorar os planos de contingência dos hospitais de referência e monitorar seus recursos para esta crise, ou seja, o gabinete deve enxergar os recursos para evitar sobrecarga de um único hospital do sistema e racionalizar a resposta”.

(vi) consideração ao modelo de gestão/gerencia adotado pelo SUS:

Não se deve relevar que: a) os hospitais existentes possuem diferentes naturezas jurídicas, o que deve ser obrigatoriamente levado em conta; b) que muitos deles encontram-se sob gestão municipal, não podendo as secretarias estaduais de saúde estabelecer uma regulação única estadual apenas por vontade própria e deve portanto estabelecer um modelo negociado para se chegar a um modelo de governabilidade que permita a necessária coordenação do serviço pela autoridade encarregada pela gestão estratégica local. […]

É crucial durante a crise ter uma gestão única da rede de serviços envolvida no atendimento à epidemia e o Estado e os Municípios que compõem uma Macrorregião de saúde como definido na resolução CIT n. 37, de 22/03/2018, deverão se articular com os Estados e pactuar o acordo de gestão. Importante anotar que a UNIÃO também deve participar das decisões do COE para permitir a distribuição equânime das responsabilidades entre os gestores. (grifos não são do original)

(vi.a)  Do fortalecimento da regulação de acesso às ações e serviços de saúde, no pós-pandemia:

“Finalmente, além das medidas acima elencadas, as Secretarias Estaduais de Saúde deverão estimular, dentro da estrutura do SUS de seus Estados, a constituição de sistemas que integrem todos os recursos de saúde à disposição do SUS, criando um sistema de regulação do acesso aos serviços de gestão única e voltado para as regiões de saúde dos Estados. Esta proposta está contida na Resolução CIT n. 37 de 22/03/2018, que acima se propôs utilizar para dar governabilidade aos comitês de crise.

Estas regiões deverão ter, sob regulação estadual, todos os recursos próprios do Estados e dos Municípios ou contratados junto ao setor privado. Essas redes deverão ter como base pactos gerados nas comissões bipartites estaduais e serão a forma de criar acesso às redes de serviços secundários e terciários das regiões de saúde dos Estados. As redes estaduais que não obtiverem resolução de patologias nos seus Estados deverão pactuar na tripartite o acesso a esses serviços em outros Estados. Se necessário, utilizar-se-á o disposto na Lei n. 13.979/2020 e no Decreto n. 10.283/2020 para se permitir a estruturação do comando único.”

(vii) importância de ampliação dos diálogos com os órgãos de controle:

“Recomenda-se a criação de gabinete específico de crise, formado pelos órgãos de controle da Administração Pública, como os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas.”

(viii) Admissibilidade dos hospitais de campanha, a depender da necessidade a ser suprida pela gestão do sistema de saúde:

“Quando, e se, os recursos existentes estiverem esgotados, devem ser mobilizados recursos novos, tais como: estruturas hospitalares temporárias, abertura de novas estruturas dentro de hospitais existentes e novos hospitais.

A preferência neste momento deve se dar pela requisição/contratação de leitos não SUS pela rapidez e pela economicidade dessa ação em relação à construção de hospitais de campanha, mantendo-se, é claro, a utilização das estruturas já criadas.

[…] Não podemos olvidar que há casos de alguns Estados e Municípios que, premidos pela urgência da situação, já criaram hospitais de campanha, sem lançar mão da ampliação de leitos por meio de contratação ou de requisição da capacidade existente na rede privada. E, nesses casos, não há como desprezá-los, devendo ser utilizados, sem qualquer tipo de responsabilização aos gestores, pois agiram anteriormente à estipulação deste formato de governança, antecipando-se à crise e prevendo o esgotamento dos leitos hospitalares e de UTI. (grifos não são do original)”

(ix) Dos leitos privados, a serviço do SUS, para atender a pandemia de Covid 19:

            (ix.a) Da possibilidade de contratação:

“Em relação à eventual necessidade de utilização de leitos adicionais, a Administração Pública conta com entidades privadas, com e sem fins lucrativos, que atendem pacientes em regime de complementariedade, como prevê o artigo 199 da Constituição Federal. […]

Isto posto, em antecipação a necessidades excepcionais, o Centro de Operações de Emergência Estadual deve preparar chamamentos públicos direcionados a hospitais privados com ofertas de custeio à operação. No entanto, sem uma correta governança da crise ou sem que todas as estratégias de resposta tenham se esgotado, pode-se incorrer em uma utilização excessiva dos recursos, tais como utilização indevida de estruturas temporárias, ampliação desnecessária de leitos e recursos ou compra e mobilização equivocadas de leitos privados. A crise precisa de um modelo de gestão adequado. Somente se pode lançar mão de recursos extras ou expandidos se esgotados os recursos existentes. O escalonamento da crise tem que ser baseado em um modelo de gestão diário e com base em dados reais de demanda e capacidade.”

         (ix.b) Da possibilidade de requisição:

“Se a capacidade de leitos à disposição do SUS estiver esgotada, e a rede assistencial privada não se interessar por um contrato público com o gestor do SUS, os leitos deverão ser requisitados, com base na Lei n.13.079/2020 e no Decreto n. 10.283/2020”

         O presente informativo foi enviado aos titulares das SES aos 14.05.2020. As SES deverão ser oficiadas pelo CNJ acerca do teor do documento, assim como as demais instituições[2] que debateram o assunto. Solicitamos que o presente informativo seja enviado aos técnicos da SES, em especial assessorias jurídicas e Procuradoria Geral do Estado (PGE), que lidam com as ações de prevenção, contenção e mitigação da Covid 19, para conhecimento.

 

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[1] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3315. Acesso aos 18.05.2020

[2] ANAHP – Associação Nacional de Hospitais Privados ABRAMED – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica ABIMED – Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde ABRAIDI – Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial CMB – Confederação das Santas Casas de Misericórdia do Brasil CNSaúde – Confederação Nacional de Saúde FBH – Federação Brasileira de Hospitais FEHOESP – Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios Privados do Estado de São Paulo Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa Sindusfarma – Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, ABRAMGE – Associação Brasileira de Planos de Saúde, A Federação Nacional de Saúde Suplementar – FENASAÚDE, UNIMED Brasil e UNIDAS autogestão em saúde, além dos componentes do Comitê Executivo Nacional do Fórum de Saúde, composto por representantes da magistratura federal e estadual; Ministério Pùblico estadual e CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público; Acadêmicos, Ministério da Saúde, Conass e Conasems.