Em meio à pandemia de Covid-19, as atenções do mundo voltam-se para um outro vírus: o monkeypox, cujo avanço tem despertado preocupação desde maio deste ano e recentemente se tornou uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. A decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de declarar uma nova emergência sanitária em nível global foi anunciada em 23 de julho.
Nesta entrevista, a médica infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) Marília Santini esclarece dúvidas sobre a doença e explica que alguns aspectos do surto de monkeypox ainda precisam ser melhor compreendidos pela comunidade científica.
AFN: Como a transmissão da monkeypox tem se apresentado neste surto atual?
Marília Santini: As exatas formas de transmissão ainda não são bem conhecidas. O que a gente sabe da história da monkeypox na África é que é necessário um contato íntimo e prolongado com a pessoa que está doente e com as lesões. Na prática, isso significa morar na mesma casa, dormir na mesma cama, manter relações sexuais, cuidar de uma criança, cuidar de um idoso… Não basta você estar sentado ao lado de alguém que está com monkeypox durante alguns minutos ou estar ao lado dessa pessoa no mercado, por exemplo. O contato realmente precisa ser íntimo e prolongado. A doença também pode ser transmitida durante a gravidez ou no parto, pelo contato íntimo que a mãe tem com o bebê nesse momento.
AFN: O que já se sabe sobre transmissão por gotículas respiratórias?
Marília Santini: A gente não sabe exatamente se existem outras formas de transmissão mas, se existirem, certamente não são tão fáceis. Algumas pessoas com monkeypox têm o vírus na orofaringe. Neste caso, o vírus poderia ser transmitido por gotículas respiratórias durante a relação íntima e prolongada, através do beijo ou respiração próxima? Provavelmente sim, mas certamente não é a forma mais eficiente de transmissão. A forma mais eficiente é você ter contato com a lesão ou com as secreções dela. Possíveis mecanismos de transmissão por vias aéreas – através de tosse, espirro ou fala – ainda não são bem compreendidos e serão necessários outros estudos para entendermos mais a respeito.
AFN: A que sintomas devemos estar atentos?
Marília Santini: Os primeiros sintomas são inespecíficos, duram poucos dias – de 1 a 3 dias – e são comuns a qualquer outra virose, como febre, dor de cabeça, cansaço, um mal-estar geral. Logo em seguida, aparecem lesões na pele. Podem ser poucas lesões, uma ou duas, ou podem ser muitas – mais de 60, por exemplo. Essas lesões podem surgir em qualquer local do corpo, na pele ou em mucosas: perto do ânus, dentro da boca, perto da uretra… cada pessoa manifesta de uma forma. Elas surgem como pequenas manchinhas vermelhas, sobre as quais crescem bolhas cheias de secreção. Em seguida, essas bolhas se rompem, formam uma crosta, uma casquinha, e depois se curam. Esse processo – entre aparecer a primeira manchinha vermelha, sumir tudo e ficar sem lesões – leva de duas a quatro semanas, normalmente.
AFN: Ao notarmos essas lesões, o que devemos fazer? Como é feito o diagnóstico da monkeypox?
Marília Santini: O exame é bem simples. É uma coleta com cotonete, como aquele swab que a gente faz na garganta ou no nariz no caso da Covid, só que feita na lesão da pele. Você só vai ser capaz de fazer um diagnóstico de monkeypox se aparecerem as lesões na pele, porque o exame é feito na lesão. Não é um exame de sangue, não é uma sorologia. Uma pessoa que acredite estar com sintomas de monkeypox, porque notou o aparecimento das lesões, deve procurar um serviço de saúde para fazer o exame. A amostra vai para um laboratório de referência e o resultado é encaminhado para a unidade que solicitou o exame em um prazo de dois ou três dias.
AFN: Uma vez confirmado o diagnóstico, como é feito o tratamento da doença?
Marília Santini: O tratamento consiste, basicamente, em tratar os sintomas. Se o paciente tiver febre ou dor são receitados analgésicos e anti-inflamatórios normais. Não é recomendado usar nada sobre as lesões – nem pomada, nem creme. Também não é recomendado cobri-las, para que elas possam secar mais rapidamente e não infecionar. Além disso, é importante evitar traumas nessas lesões, com o uso de lâminas de barbear ou fazer depilação, por exemplo. Pacientes com muita coceira devem procurar manter a unha curta para não machucar. E uma recomendação importante para aqueles que usam lente de contato é suspender o uso durante o período de infecção. Ao colocá-la, o paciente pode acabar levando o vírus para o olho sem querer, o que pode causar lesões na vista. Essa é uma complicação conhecida que pode levar até à cegueira.
AFN: Como podemos nos proteger neste momento?
Marília Santini: A principal forma de prevenção, hoje, é o conhecimento do risco: você saber que existe monkeypox e saber que, para pegar, é preciso um contato íntimo e prolongado. Então, é importante ficar atento se alguém com quem você se relaciona – alguém que mora na sua casa, com quem você namora ou uma pessoa com quem você tem relações sexuais, por exemplo – tem alguma lesão e pode estar doente. Além disso, enquanto não conhecermos melhor todas as formas de transmissão da monkeypox, outras medidas, como usar máscara e higienizar as mãos com frequência, também são recomendadas. Não é possível afirmar, hoje, o quanto isso protege para monkeypox ou não, porque a importância de cada tipo de transmissão ainda não é completamente conhecida.
AFN: Quem chegou a ser vacinado contra a varíola humana está protegido – ou parcialmente protegido?
Marília Santini: Algumas pesquisas realizadas na República Democrática do Congo, onde a monkeypox é endêmica, mostraram que pessoas que tomaram a vacina para a varíola humana tinham cerca de 85% de proteção também contra a monkeypox. Teoricamente estariam protegidas ou, se pegassem, teriam quadros com poucas lesões, menos floridos clinicamente. Não sabemos se isso vai se repetir no surto atual, que está afetando um número bem maior de pessoas. No momento o maior número de casos é justamente entre pessoas com menos de 40-50 anos, que não receberam a vacina contra a varíola, porque a partir da época em que nasceram não havia mais vacinação. Se você me perguntar se isto está ocorrendo por conta da vacina, eu não serei capaz de responder, porque é algo que ainda não se sabe. Mas é bem provável que haja essa proteção cruzada, porque os vírus são muito parecidos. Provavelmente a proteção cruzada existe.
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Fonte: Agencia Fiocruz de Noticias (AFN)